Páginas

26 de novembro de 2009

O renatão do papai


Sempre incomodei meu pai. Parecia um pentelho encravado em baixo do suvaco. Puxava o cabelo, as verrugas no pescoço e braço, pisava no pé e dava rasteira nele quando ele estava na minha frente. Mas o que eu gostava mesmo era dizer que ele preferia um filho homem no meu lugar. Repetia, repetia, repetia e repetia até ele puxar a minha orelha, tirando os meus pés do chão.

Meu pai, um cara sério e cheios de amigos, coitado, não tinha assunto nos churrascos de final de semana. Eles contavam sobre seus filhos homens, contavam como foi levar o moleque pela primeira vez no estádio para ver o time do coração, das peladas no quintal da casa, a playboy que comprou da Ioná Magalhães para o filho e por aí vai.

Meu pobre pai só tinha para falar sobre as roupas novas da bonequinha do inferno – barbie, da boneca que chorava , dos papéis de carta que eu comprei com a mesada e das tranças que ele fazia no meu cabelo.

Definitivamente esses não eram assuntos para ele. Foi aí que tomei uma decisão. Vou ser o menino do meu pai. Fazer tudo que os garotos faziam com seus pais. Imediatamente pedi para meu “velho”, assim os maninos chamam o pai, comprar uma camisa do Internacional (podia até ser falsificada, pois neste caso eu também estava sendo genérica). Passei a assistir todos os jogos da rodada com ele e ao mesmo tempo escutar o jogo na rádio AM. Nos outros dias, especialmente nos finais de semana, pedia para ele me ensinara a jogar taco. Era um fiasco e uma vergonha alheia sem limites. Ao invés de bater na bendita bola, acertava minha própria canela magra.
.
.
.

Muito odiei quem inventou este jogo
.
.
.
Passei a pular o portão de casa. Abrir para entrar era coisa de menina. Pular era maloqueiro e de menino. Abandonei as saias rosas, as blusinhas e as tiaras. Comecei a usar camisetas, bermudas e boné. Ensaiei umas embaixadinhas com a bola de futebol. Não deu muito certo!

(A parte da Playboy fiz questão de não lembrar.)

Com as peripécias de menino vieram os roxos por todos os lados e cantos do corpo – canela, coxa, braços e até por dentro dos olhos. Apareceu a primeira fratura grave, torção no tornozelo e dedo quebrado.

Uma vez tentando impressionar meu pai – mais uma tentativa frustrada e desastrosa – desci a lomba da rua de bicicleta, para dar mais emoção tirei as mãos do guidão. Não consegui controlar a bichinha, acabei em baixo de um carro. O azar. Ele estava parado. Isso me gerou uma cicatriz que carrego até hoje, como um troféu, bem em cima do peito do pé.

Meu pai nunca mais ficou calado nos encontros com os amigos.

Agradeço aos amigos do meu pai. Eles salvaram a minha infância.

.
.
.

salve o renatão!

1 comentários:

Ricardo disse...

Muito bom Xuxuzinha, hahaha, fico muito engraçado.
Gostei bastante.
Beijo na boca.

Postar um comentário